segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL

Mesmo que você não participe de sessões espíritas nem seja Pai de Santo, não se avexe, o espírito de Natal vai baixar em você.

Isso significa que, nesta época mágica do ano, você vai falar de amor ao próximo, de confraternização, desejar saúde e felicidades a torto e a direitoe terá mirabolantes ilusões esquizofrênicas sobre como será o ano seguinte.

Você vai permitir que as crianças se sentem no colo de um obeso idoso fantasiado de vermelho sem que isso se transforme em acusação de assédio nem processo judicial.

Num calor dos infernos nessa época aqui nos trópicos, você desejará que refresque um pouco usando sabão, papel picado, algodão ou bolinhas de isopor para simular o frio e a neve que nunca viu pessoalmente.

À noite de Natal você chamará “de alegria infinita”, apesar de ter passado por um estresse enorme na fila da rotisserie pra pegar o prato congelado e levar logo pra casa e colocar no forno, de ter enfrentado o trânsito ainda mais caótico e quase ter saído no tapa com aquele que enfiou o carro na vaga que você estava esperando.

Nesta noite de paz e de luz, seu sogro vai dormir e babar no sofá e a mãe de seu marido vai torrar o finalzinho de sua paciência querendo lhe explicar como manusear direito o peru (o do forno, não o do filho dela) e vocês não vão brigar “pois é Natal...”.

Você vai aturar as crianças destruindo sua sala enquanto o bendito relógio não bate meia-noite, que as tias exigem que se espere antes de abrir os presentes.

Aliás, por falar em presentes, você vai ganhar algo de que não precisa ou não gosta, esteja avisado de antemão. Treine sua cara de quem adorou o presente durante a tarde, diante do espelho no banheiro, depois que seu tio já bêbado resolver sair dele.

Ah, e avise a todos de que não é preciso regar a árvore de natal, principalmente se tiver as luzinhas pisca-pisca. Da última vez, o choque que a minha avó levou quase fez parar o marca-passo dela.

Bom, então, Feliz Natal.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

FINAL DE ANO...

Olá pessoal.

Não sei como foi nem como termina o ano pra vocês, mas pra mim... Bem, praticamente nada de diferente nem perspectivas.

A única novidade foi ter sido convidado a ilustrar tirinhas sobre um tema muito conhecido nosso para o "Ansiedade/Depressão". Não sei no que isso vai dar (pela minha experiência, posso dizer que sei que não vai dar em nada), mas ao menos me mantém ativo, com a cabeça ocupada e assim não fico louco de vez.

Visitem, deixem comentários, enviem sugestões para novas tiras.

Além de comer e dormir, é só isso que vou fazer até o ano que vem.

Abs e - se é que isso é possível - bom final de ano.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

ALEATORIEDADES

Hoje é 23 de novembro. Na área de trabalho do monitor, o gadget na barra lateral indica 23 graus. O dia esteve cinza e meio abafado. Ainda é cedo mas está escuro e parece que vai chover de novo, como ontem. Preciso antes levar meus cães à rua para aliviar a pressão por satisfazer suas necessidades fisiológicas.

Que coisa: quando não estou catando bosta delas na rua, estou em casa limpando a caixa de areia das gatas. Sou um cata-bosta profissional.

Pronto, voltei.

Recebo um e-mail dizendo que hoje é o Dia Internacional do Livro. Eu e todo o Brasil podemos comemorar: brasileiros de todas as partes comemorem por sermos uma gigantesca nação de analfabetos funcionais. E eu porque há meses publiquei meu livro infantil e vendi a excepcional quantia de um. Sim, um único exemplar.

Então decidi que não quero mais vendê-lo. Vou dá-lo a quem se dispuser ao tremendo esforço de baixar o PDF: http://www.iosbooks.com.br/

Navegando na web, uma frase me chama a atenção: “Uma oportunidade para uma nova vida... Quer romper com o seu passado, começar uma vida nova?“.

Era tudo o que eu queria. Deixar tudo pra tras, começar de novo. Mas a tal frase me leva ao site da Legião Estrangeira e, infelizmente, vejo que não tenho as qualificações necessárias, nem dinheiro pra ir à França me alistar.

Acho que estou, como no título daquele filme, numa fase “pagando bem, que mal tem?“. Não, também não tenho “qualificações” para estrelar um pornô, mas estou apelando a quase qualquer coisa, desde que o salário compense.

E tem de ser rápido, pois as folhas das apostilas do meu MBA já estão acabando.

Usei todas para catar bosta de cachorro nas ruas.




















quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Novo artigo

Ali ao lado, no menu à direita de sua tela, um novo bom artigo: DEPRESSÃO NUMA CONTEXTUALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA.
Aprecie com moderação.

DEPRESSÃO É COMO CHIFRE...

"The real voyage of discovery consists not in seeking new landscapes but in having new eyes."



-- Marcel Proust




Indo na esteira da atual “fama” do distúrbio depressivo, já chamado de “a doença do século” e tida por especialistas como o mal que mais atingirá as pessoas nestes tempos, muitos estudos estão em andamento.

Dos últimos que tive notícia, um diz que sentir-se pra baixo causa dor, outro diz que a TV ligada à noite pode causar depressão...

Não li os estudos originais completos, mas os artigos sobre eles me deram a sensação de que os estudiosos ainda se debatem sobre, utilizando um exemplo clássico, quem nasce primeiro, o ovo ou a galinha.

Dizer que isso ou aquilo, isoladamente, pode causar depressão é um reducionismo pra lá de exagerado. O que é real, de fato, é que a depressão, parafraseando a brincadeira, é coisa da sua cabeça.

OK, é verdade que o mundo é uma merda, as pessoas que nos cercam em geral são idiotas e, de fato, não há luz no fim do túnel - no final, não importa o que faças, vais virar almoço de vermes no cemitério.

Mas isso, voltando à frase, é coisa da sua (e da minha também) cabeça. O mundo e a vida NUNCA foram lindos, idéia que tanto se esforçam a nos vender. Há momentos bons (poucos, admito) e momentos ruins (muitos, sem dúvida). Só isso.

Lembre-se de que fomos expulsos do Paraíso, ou seja, estar aqui é um castigo mesmo...

O que precisamos é, como diz a frase atribuída a Proust, olhar com outros olhos. Mas não, por favor, não vá arrancar os seus.

Talvez sim, sintamos mais dor que as pessoas “normais” pois deprimidos estão 1.000% voltados a si mesmos. A conseqüência natural é perceber de maneira amplificada tudo o que nos acomete, principalmente as coisas negativas, desagradáveis, como emoções, lembranças, críticas, e-mails com ppts com lições de vida e... dores.

Se alguém aqui se lembrar de um momento em que esteve alegre, eufórico (ou num episódio maníaco) lembrará, possivelmente, que estava “distraído de si” e mesmo que estivesse com um machucado, mal o percebia, não é mesmo?

Pronto, matei com um parágrafo o estudo dos pesquisadores, que com certeza receberam uma grana legal para descobrir o óbvio.

Será que é nisso que eles estão trabalhando: uma fórmula para nos fazer “ver de outro jeito”?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

DESTINO, numa xícara de café


“De fato te mudas de cidade e de destino sem passar a ser outro, mas não muda a ti mesmo sem mudar-se de si próprio para outro”

Alessandro Ben



Dia desses o Jorge, aquele mesmo do post “Pobre Jorge”, estava em sua rotina diária de soltar pensamentos ao vento e algo o lembrou de um antigo colega, o Otávio.

Eles trabalharam e moraram juntos uma época. Garotos iniciando a vida adulta, certa vez foram consultar uma vidente. Era uma garota nova, da idade deles, que via o futuro numa xícara de café. Ou chá, não se lembrava direito.

Jorge sempre foi descrente nessas coisas, mas foi pela curtição. Queriam saber se iriam se dar bem na vida, se iam ficar ricos, se os namoros com as respectivas iam dar certo ou se teriam várias outras namoradas... A vidente ia respondendo uma a uma as perguntas dos garotos ansiosos mas, à época, as respostas pareciam carecer de detalhes.

Olhando agora, mais de vinte anos depois, as previsões não foram tão nebulosas assim. Pelo contrário, tiveram um nível de detalhes que hoje caem como uma tijolada na testa. A garota “acertou” tudo: como seria a vida profissional do Otávio, disse que ele não se casaria com a namorada da época e conheceria sua futura esposa longe, muito longe dali, que havia muitas viagens em seu futuro, disse ao Jorge que ele conheceria sua esposa naquela cidade, mas ela estaria ali apenas de passagem e ele tinha de ser rápido e coisas assim. Tudo confirmado, tintim por tintim.

Ela só titubeou, e isso Jorge se lembra bem, quando ele lhe perguntou sobre como seria sua vida profissional. A garota demorou a responder, parecia olhar fundo na xícara e então finalmente murmurou que não sabia responder essa.

Até isso ela acertou. “Hoje eu não sou nada”, pensava Jorge, “mas como ela poderia me dizer isso na época?”

Talvez nem a garota acreditasse nela mesma ao ver que o destino de Jorge era não ser nada. Talvez tenha sido a primeira vez que ela previra algo assim e se enrolou: “como pode alguém não ser nada?”, ela deve ter pensado.

Se esse era seu destino, se isso – não ser nada – já estava previsto, de que adiantaria então lutar contra? Haveria um meio de mudar esse destino? Quem sabe, talvez, indo de novo numa consulta com essa garota e perguntar a ela “e agora, que eu faço?”. Será que ela ainda estaria viva? Como localizá-la tanto tempo depois?

Descrente, cético, tinha de dar o braço a torcer nessa: estava tão cansado de tentar pelos meios “normais” dar um rumo à sua vida que começava a considerar seriamente ir se consultar com a vidente outra vez.

Seu intelecto se revirava, se contorcia diante “dessa ignorância”, mas como se fossem duas pessoas conversando, ele lembrava a si mesmo que seu intelecto não fora suficiente nas coisas mais básicas de vida, como ter um emprego ou profissão, ganhar seu próprio sustento.

Onde estaria a tal garota?...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ESTIVE FORA UNS DIAS...

...numa onda diferente, como na música, mas não provei tantas frutas, pelo contrário, comi muito croisant, bagels e muffins.

Foi um rápido escape a quase 8.000 km daqui mas, mesmo assim, a realidade dá um jeito de me alcançar. E voltar para ela não tem graça nenhuma. Se voltar das férias já é normalmente ruim, retornar ao "nada" é ainda pior.

Às vezes penso que não estou mais deprimido, ou ao menos não como antes, mas ainda há muita coisa mal resolvida. Algumas do passado, outras do presente, minha vida, meu futuro, o que fazer daqui pra frente é uma incógnita e, para usar um clichê bastante gasto, não vejo luz no fim do túnel. Se ao menos visse o túnel saberia onde estou e para onde vou, mas nem isso.

A aceitação de que não sou especial, no sentido de não ter algum talento a ser mostrado ao mundo que me diferencie e se torne um meio de vida, ainda é áspera. Talvez isso soe pedante, talvez egocêntrico, mas eu sinceramente achava que sim, que poderia mostrar ou fazer algo através da escrita ou da ilustração - ou os dois combinados - e viver desse suposto "talento", mas aparentemente ninguém parece interessado em me pagar por essas atividades.

Agora, já dobrando o cabo da boa esperança, preciso deixar de resistir, inutilmente, ao que parece inevitável: tenho de arranjar um meio de vida qualquer, medíocre, para pagar as contas.

É o que todo mundo faz? Sim, mas é tudo o que um deprimido não gosta de ouvir ("todo mundo isso, todo mundo aquilo...") e me deixa ainda mais para baixo.

Nem sei se conseguirei - quem irá me contratar depois de tanto tempo fora do "mercado"? - nem tenho condições de montar um negócio, e o pavor da sensação de "não pertencimento" já me assombra. Passei boa parte de minha vida adulta profissional com um sentimento, como canta Thom Yorke do Radiohead, de "...What the hell am I doing here? ...I don't belong here...".

Mas, então, qual o meu lugar nesse mundo? Será que tenho algum?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

DEPRESSÃO E DEPRIMIDO...

...é o novo blog sobre esse assunto tão conhecido e ao mesmo tempo tão complexo e subestimado.
Como declara seu autor, Edgar Guediguian, inspirado aqui no Crônicas.

Ter inspirado alguém a escrever já é muito mais do que eu jamais imaginei para o Crônicas. Escrever, divulgar e discutir sobre depressão pode ter um efeito bastante benéfico sobre quem participa dessas atividades.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

POBRE JORGE

 
“A vida de todo mundo é como uma longa calçada. Algumas são bem pavimentadas. Outras, como a minha, tem fendas, cascas de banana e bitucas de cigarro”.

Max Horowitz



Jorge passara dos 40 e estava (ou era, já nem sabia mais depois de tanto tempo) deprimido.

Na verdade, como aquele cão que só entra num bosque até a metade, porque depois dela já está saindo, caminhava para os 50 e estava desempregado. Por sorte, sua mulher ganhava o suficiente para manter a casa, mas ele já duvidava de quanto tempo mais conseguiria se manter em casa.

Como dizia um colega, houve dias em que teve de se segurar no batente da porta, pois sua mulher cobrava furiosamente alguma atitude. As mulheres se habituaram rapidinho à igualdade de direitos, pensava ele, mas não à igualdade de deveres. Fosse ele, o homem, mantenedor da casa não haveria encrencas, mas são poucas as mulheres que admitem um marido “do lar”. A dele não era uma delas.

Mas Jorge...

Jorge era todo reticências. Tudo, todos os pensamentos, tomadas de decisão, argumentos, iniciativas... Tudo para ele sempre vinha acompanhado de muitas, mas muitas reticências... E assim era difícil sair de seu lodaçal de pensamentos.

Passava tardes inteiras no computador, isolado em um cômodo escuro da casa. Vez ou outra, para variar um pouco, fazia palavras-cruzadas. Certa vez estava completando uma quando leu “aqueles de bem com a vida” e, estranhamente, a primeira coisa que lhe veio à mente cabia no espaço: “retardados”. Essa palavra não cruzava direito com as outras, mas como cabia ali escreveu mesmo assim e abandonou o hobby naquele dia.

Resolveu ir ao shopping ali perto de sua casa ficar vendo vitrines. Coisa meio boiola, seu superego lhe dizia, mas para quem estava há dias enfurnado criando mofo em casa talvez fosse bom ver como andava o mundo lá fora. A tarde estava maravilhosamente cinzenta, quase fria e assim ele não suaria ao fazer o trajeto a pé.

Vitrines, vitrines, vitrines... Desempregado e duro, sem coragem de ficar pedindo dinheiro à esposa, sentia-se como um cachorro na calçada olhando frangos rolando naqueles fornos: podia babar por algo, mas não podia tê-lo.

De fato, ele nem desejava nada, só queria dispersar um pouco. Começou a rir sozinho quando viu calças jeans todas rasgadas, trituradas, vendidas a preços exorbitantes. Lembrou do Dr.House que em certo episódio disse que “...algumas pessoas gastam fortunas para parecerem mendigos...”.

Essas pessoas deviam economizar, pensou, e talvez comprar uma calça jeans “normal”, vesti-la e atravessar a 23 de Maio de olhos vendados na hora do rush. Mancharia de sangue, um pouco, mas os rasgos e ralados ficariam bem parecidos.

O cartaz no cinema anunciava o filme 2012. Nem valeria a pena assistir e sonhar com esse alívio. Os especialistas já o haviam feito desistir de esperar o fim tão próximo e o mundo, que merda, ainda ia durar muito. Acabaram com sua graça ao desmistificarem o Calendário Maia e as demais supostas previsões desastrosas.

Ele não entendia o medo que as pessoas tinham do Armagedom. O mundo, acabando, todo o sofrimento de todas as pessoas terminaria, oras! E, num país eminentemente cristão, não era a maioria delas que acreditava em vida após a morte, em “ir para junto do Senhor”? Pior ele que não acreditava em coisa alguma. Jorge havia retirado o verbete “acreditar” de seu cérebro. Tornara-se racional, exato, lógico.

Isso o fez lembrar de Max, que trocava cartas com Mary (veja o trailer). Ele se identificava com o personagem (outro trecho do filme). No filme... Bem, não vou contar o fim, mas ele imaginava que terminaria como Max.

Aliás, Jorge havia se tornado tudo o que no passado, em seus piores pesadelos, temera: solitário, fracassado, pobre, sem perspectivas, gordo e com dores pelo corpo. Certa vez lhe disseram que devia tomar cuidado com o que pensava, pois o pensamento negativo atrairia coisas ruins. Temer algo poderia fazer com que se tornasse real, lhe disseram, mas ele pensava diferente. Se temia era porque havia a consciência profunda de que aquilo poderia vir a se tornar realidade. Era como se a vida fosse um caminhar sobre uma lâmina: tudo pode parecer estar indo muito bem, mas basta um pequeno deslize e...

E assim, atolado em pensamentos dispersos e desconexos, Jorge passava seus dias reticentes...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

TER DEPRESSÃO É BOM, RUIM É ESTAR DEPRIMIDO

Brincadeiras à parte, novamente se levanta a questão bastante polêmica do tal "lado bom da depressão": a revista Mente e Cérebro deste mês traz artigos nos quais especialistas afirmam que a depressão "...pode ser uma adaptação mental saudável que nos oferece melhores condições para resolver problemas complexos" em "O Lado Luminoso da Escuridão".

Em outro artigo, "É Mesmo Ruim Sentir-se Tão Triste?", explicam o TDM como um "...mecanismo de autoproteção contra situações desgastantes; o rebaixamento do humor aumenta a capacidade de concentração e nos faz rever atitudes".

Há também uma crítica (positiva, de modo geral) ao livro "A Tristeza Perdida" dos psiquiatras Allan Horwitz e Jerome Wakefield, no artigo "Com quanta tristeza se faz uma depressão?", segundo o qual "...os autores querem demonstrar que a tristeza intensa é uma capacidade natural humana e não uma fraqueza de caráter e que a tristeza é produto de processos mentais relevantes funcionando conforme foram biologicamente projetados para reagir à perda. São problematizadas as vantagens e desvantagens de haver definições demasiado amplas de transtorno depressivo, bem como tratamentos injustificados, medicalização desnecessária e estigmatização".

A depressão é comparada a uma febre: ela não é o problema, mas sim um sintoma e, como a febre, necessária em determinadas situações para o restabelecimento e reequilíbrio do organismo, ou seja, o nosso.

Ainda estou lendo, mas uma coisa me chamou a atenção: nestes e em outros artigos os especialisatas parecem ser unânimes em propor aos deprimidos que não fujam do problema, não procurem distrações ou sigam conselhos até bem intencionados como "manter a cabeça ocupada ajuda a melhorar" ou "vai trabalhar que passa". Isso apenas prolonga o sofrimento ou o transforma numa bomba relógio, que mais cedo ou mais tarde...

Ao contrário, dizem que devemos sentir o problema, vivenciar essas emoções, colocar para fora, escrevam sobre o que se está passando. Instintivamente, é mais ou menos isso que tenho feito aqui.

Experimente você também. É realmente aliviante.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

NEGÃO

Cães se conhecem uns aos outros e não sabem seus nomes. Acho bom mas, para contar essa outra estória, vamos dizer que ele se chamava Negão.

Quando eu tinha restrições de horários impostas pelo trabalho levava minhas cadelas para passear na praça próxima de casa à noite, após o expediente.

A primeira vez que vi Negão fiquei receoso: grande, magro, sentado num canto escuro da praça, meio descabelado e olhos amarelados, logo me fez lembrar aquelas cenas de filmes de terror em que os olhos de alguma fera brilham no escuro da noite.

Ele se aproximou hesitante, não veio diretamente a nós, circundando o que podia ser um invasor hostil. Fiquei preocupado, pois ele poderia realmente se sentir ameaçado (por uma ferocíssima ShihTzu de lacinhos rosa e uma Schnauzer com a personalidade do Garfield).

Estávamos estudando a situação, olhos fixos um no outro apesar de já ter lido que contato visual pode ser interpretado como agressão. Se é verdade, ele que ficasse com medo de mim.

Curiosas e solícitas demais, sem nenhuma noção de perigo, as duas correram para conhecê-lo. Percebi que ele ficou um tanto incomodado, como que com medo delas. Caminhou em minha direção, fiquei firme e, de repente, ele encostou a cabeça em minha perna (quase em minha cintura) pedindo um afago...

Ficamos amigos.

Continuei encontrando Negão por diversas vezes, inclusive depois que ele se associou a um morador de rua. Tomava conta dos apetrechos do homem enquanto ele ia comprar pinga e salame no bar da esquina.

Brincalhão, corria pela praça solto, livre, sem horários nem obrigações. Ambos dormiam no coreto, mas Negão tomava seu banho de sol diário deitado entre os canteiros floridos. Pena nunca ter me ocorrido bater uma foto com o celular. Acho que ainda não me acostumei a tirar fotos com o telefone.

Quando chegava na praça ele corria em nossa direção e sempre vinha me cumprimentar. Algumas vezes levei ração, mas ele ignorava. Estava mais acostumado a comida de verdade, restos que o sem-teto lhe dava.

Uma vez o vi sozinho, do outro lado da Avenida Matarazzo, muito movimentada. Ele parecia estar querendo atravessá-la, mas estava difícil. Estacionei o carro, fui resgatá-lo, acompanhando-o a pé na travessia da avenida e deixei-o na praça, fechando o portão.

Certo dia, novamente na tal praça para o passeio diário, porém agora sem limitações de horário, encontro o morador de rua arrastando um pesado cobertor. Era Negão ali, sem um pedaço de seu flanco direito, sem vida.

Deve ter sido atropelado, mas o tal senhor insistiu em dizer que foi maldade de alguém, que aquilo era coisa feita com facão, que já haviam dito que iam matá-lo pois ele havia encrespado com alguns cães maiores, com donos, que também freqüentam a praça.

Nunca saberemos.

Adeus, Negão.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

MUNDO CINZA

Cientistas alemães "descobriram" que pessoas acometidas pela depressão enxergam o mundo menos colorido que as pessoas "normais"...

Alguém lembra daquela música "Things that make me go hmmmm..." ?

Eu entendo a metáfora em se dizer que o mundo fica menos colorido quando se está deprimido, mas daí a dizer que a retina começa a sofrer alterações e a pessoa pára de enxergar cores tem uma distância enorme. Até acredito que o cérebro do deprimido tenha problemas de decodificação do mundo externo e, por isso, "...as cores já não têm a cor que tinham, que a música não soa como soava antes e que a sensação é realmente de que o mundo está mais apagado...", mas isso é uma tentativa de traduzir em palavras uma sensação, não algo físico.

Bem, a pesquisa foi feita na Alemanha, país quase o ano todo cinzento, como relata uma colega que se mudou pra lá.

Queria ver o resultado dessa pesquisa aqui nos trópicos, com sol escaldante de outubro a abril.

Eu passei por fases bem terríveis e não me lembro do mundo ter perdido as cores, a não ser metaforicamente.

Você, que teve ou tem depressão, enxerga mesmo em tons de cinza?

Pra quem quiser ler, aí está: http://veja.abril.com.br/blog/diz-estudo/

terça-feira, 3 de agosto de 2010

FELICIDADE OBRIGATÓRIA

Em artigo no Estadão de hoje, Arnaldo Jabor toca num tema velho conhecido nosso: o da atual “obrigação” de ser feliz.

Dois parágrafos dele:

Hoje, a felicidade é uma obrigação de mercado. Ser deprimido não é mais "comercial". A infelicidade de hoje é dissimulada pela alegria obrigatória. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Esta "felicidade" infantil da mídia se dá num mundo cheio de tragédias sem solução, como uma "disneylândia" cercada de homens-bomba.

A felicidade hoje é "não" ver. Felicidade é uma lista de negações. Não ter câncer, não ler jornal, não sofrer pelas desgraças, não olhar os meninos malabaristas no sinal, não ter coração. O mundo está tão sujo e terrível que a proposta que se esconde sob a ideia de felicidade é ser um clone de si mesmo, um androide sem sentimentos”.

Acho que o Jabor andou lendo Maria Rita Kehl...

Artigo completo no Estadão:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100803/not_imp589550,0.php

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CULPA

Limb by limb, tooth by tooth
Tearing up inside of me
Every day, every hour
I wish that I was bullet proof

Bullet Proof - Radiohead


Todo mundo que já leu algum artigo sério sobre depressão sabe que a “culpa”, esse sentimento dilacerante, é uma constante nos acometidos pelo transtorno.

Muitos já leram também – e eu citei aqui – que a auto-ajuda não auxilia quem realmente precisa, e eu coloco na categoria de auto-ajuda aquelas mensagens e vídeos sobre alguém que sofreu muito, tem grave deficiência ou doença mas deu a volta por cima.

Muita gente parece gostar de receber esses vídeos ou apresentações em Powerpoint. Aparentemente, o efeito esperado é algo como “...oh, veja como esse aí sofreu. Eu até que estou bem comparado com ele...” e o indivíduo sai - iludido - achando que a vida dele nem é tão ruim.

Eu detesto, e nem é porque são bregas ou chatos, mas porque em mim resultam numa piora de meu estado. Ou resultariam, se eu não conhecesse esse mecanismo e não lutasse contra ele.

Dia desses recebi um vídeo sobre um cara sem braços e pernas. Não vi mais que dois segundos e por isso não sei o que o cara apronta, mas com a sugestiva frase “Pare de reclamar da vida” já fiquei puto.

Minha leitura – e a de muitos depressivos - é: “...ah, o cara não tem braços nem pernas mas está aí, desfrutando da vida, fazendo isso e aquilo enquanto eu estou aqui super saudável mas semi-morto ... Sou um merda mesmo...”.

Com braços e pernas normais, o efeito em mim é o contrário do esperado e, apesar de conhecer esse processo mental, não é fácil controlar o sentimento de culpa que sobe pela garganta como um vômito. Culpa por não reagir a contento, culpa por não ser o que esperavam de mim, culpa por não ser o que EU esperava de mim... culpa... culpa...

E então a garota do caixa pergunta se não quero colaborar com o planeta e colocar as compras em caixas ao invés de sacolinhas plásticas...

O mundo que se exploda!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O SILÊNCIO E O ESCURO

"Todos os mistérios do homem derivam de não ser capaz de sentar silenciosamente em uma sala isolado." (Blaise Pascal) 




Muito se fala e escreve sobre a importância do silêncio. Coloque “importância silêncio” no Google e terá leitura pro resto da vida. Engraçado, poderia dizer que se faz muito barulho pelo silêncio...

Indo desde a manjada “Deus nos deu duas orelhas e uma boca...” a questões metafísicas, vê-se alguma confusão do silêncio com apenas fechar a boca, ficar mudo. Há um koan sobre isso:

“Quatro monges decidiram meditar em silêncio completo, sem falar por duas semanas. Na noite do primeiro dia a vela começou a falhar e então apagou.

O primeiro monge disse:

- Oh, não! A vela apagou!

O segundo comentou:

- Não tínhamos que ficar em silêncio completo?

O terceiro reclamou:

- Por que vocês dois quebraram o silêncio?

Finalmente o quarto afirmou, todo orgulhoso:

- Aha! Eu sou o único que não falou! “

Mas o Silêncio é muito mais que isso. O Silêncio de que escrevo é o da mente.

Se a gente está lendo, vendo TV ou navegando na internet nossa mente não está em silêncio.

E porque parece ser tão difícil – para todo mundo desde sempre e atualmente muito mais - ficar em silêncio?

O silêncio parece ser, para as pessoas em geral, como o escuro para crianças. Um monstro pode estar debaixo da cama, um bicho-papão no armário, as sombras parecem se mover, ameaçadoras, em nossa direção. Não há como antecipar o que pode estar vindo nos pegar...

Assustador para grande parte das pessoas, pois é nesse momento que vemos a nossa realidade, é no silêncio – e não no mutismo – que ficamos verdadeiramente a sós e encaramos... Nós mesmos.

Como uma criança, queria ficar no escuro e perguntar ao bicho-papão porque quer me pegar. Encarar o monstro no guarda-roupas e saber o que quer comigo. Dizer às sombras que podem vir e não lhes farei mal.

Talvez, com essa conversa no silêncio – ou no escuro, como queira - ficássemos todos amigos.

E em paz.


terça-feira, 20 de julho de 2010

Deprimido é uma merda.


“O depressivo sofre de uma liberdade conquistada, porque não sabe desfrutá-la”. 
Elisabeth Roudinesco - “Por que a psicanálise?”.


Não importa o quão boa seja a notícia, o quão elevado seja um comentário ou opinião, a gente sempre vê o lado negativo das coisas. Que saco isso!...

Estive “me observando” e notei que faço isso constantemente. Se me elogiam, logo penso em retrucar apontando minhas falhas. Se recebo uma boa notícia, de imediato comento sobre o lado ruim da coisa. Se algo bom acontece, fico prevendo possíveis conseqüências nefastas e desdobramentos negativamente inesperados.

Quanto disso é pura chatice e quanto é seqüela da depressão? Eu não era assim “antes”...

Então comecei a me policiar, me esforçando em ao menos manter a boca fechada. Penso em todas essas “negatividades” mas evito dizê-las e estragar o dia dos outros (isso não vale aqui no blog, pois essa é a razão dele existir).

Quanto disso é fuga? Quanto disso não é medo de encarar uma realidade da qual “penso” não gostar? Porque não fico, muito mais simples seria, feliz com um elogio ou uma boa notícia e, ao contrário, me recolho entre as nuvens negras de pensamentos depressivos?

Certa vez, em “O Poder do Mito”, de Joseph Campbell, li a estória que ele conta sobre um nativo africano que vivera toda sua vida na mata fechada e que, acompanhando uma expedição, ao chegar na planície aberta apavorou-se. Não tinha noção de distância, de perspectiva e vendo os animais – que na verdade estavam bem longe – amedrontado correu de volta para a floresta.

“O depressivo é aquele que percebe o campo aberto à frente dele e percebe também o medo que ele tem de ocupar esse campo. Porque dá medo mesmo”, diz Maria Rita Kehl, de “O Tempo e o Cão” em entrevista a Lisandro Nogueira e Luciene Ferraz, revista Época.

Será que, tão acostumado a ver tudo pelos filtros cinza de depressão, simplesmente não sei ser feliz?

Será possível que, como o nativo acostumado à mata fechada, estou eu acostumado às nuvens negras da depressão e apavoro-me ao imaginar sair dessa "zona de conforto"?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O ESFORÇO E O RESULTADO

"O que mais desespera não é o impossível. Mas o possível não alcançado." (Robert Mallet)

A despeito de suas importâncias ou inexistência de opções, as críticas, comentários e análises a posteriori, além de serem muito fáceis de fazer, carregam um quê de crueldade – e em muitos casos, hipocrisia e covardia também.

Olhando apenas como exemplo, por ser o fato quente do momento, a participação da seleção brasileira na Copa ilustra bem o assunto.

Dunga teve uma trajetória de sucesso durante os quatro anos à frente do time. A própria Globo, em seu jornal noturno, mostrou isso. Apesar de haver críticos e opositores, havia também grande quantidade de elogios. Procure rápido na internet, antes que apaguem, e verá como se dirigiam a ele como “líder nato” e outros adjetivos.

Veja, por exemplo, dois parágrafos retirados de artigo na VOCÊ S/A sobre Dunga:

Numa batalha travada no palco decorado com as cores e humores do adversário, cercada de polêmicas preliminares e rivalidade histórica, o futebol pentacampeão mostrou insuperável solidez, inesperada inteligência e implacável eficácia. Uma equipe com a inconfundível marca do seu líder”.

Sem dúvida uma história inspiradora para muitos de nós que acabaram de chegar a uma posição de liderança e enfrentam, ainda, a desconfiança de um ambiente altamente competitivo”.

Seguindo, talvez, o que é escrito nos mais variados livros de autoajuda e filmes com mensagens engrandecedoras, o técnico da seleção provavelmente “seguiu seu instinto”, “foi contra tudo e contra todos” atrás de seu sonho (quem nunca leu ou viu isso por aí?!).

Todas as suas características, inclusive a tão propalada teimosia, foram vítimas da circunstância. Em outras palavras: nossas qualidades e defeitos são circunstanciais (ahhh, descobri a América...).

Se saísse dessa vencedor, a estória de Dunga viraria livro de administração, seria tema de aulas em MBAs, utilizado como exemplo por gurus de estratégias em palestras caríssimas e mencionado em todo o tipo de artigo motivacional e engrandecedoras mensagens de e-mails.

O problema dele foi o RESULTADO. Não importa o que vc faça, quanto você faça nem como faça. Ninguém se importa com isso, esquecendo o tal do “o importante é competir”. Só importa o RESULTADO. É dele que o resto se desenrolará – opiniões, críticas, comentários.

É ele, e só ele – não seu esforço, nem sua dedicação ou seu sangue, suor e lágrimas – que determinará se você é herói ou incompetente.

A sociedade atual não tolera o fracasso, ignorando completamente que ele é uma possibilidade maior que o sucesso (caso contrário, como já disse por aí, a pirâmide socioeconômica teria de ser virada de ponta-cabeça).

Isso, infelizmente, valeu para Dunga e vale pra todos nós. Pense nisso antes de criticá-lo. Amanhã pode ser você.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

BUSQUE AJUDA

"É como se um vazio se esparramasse em toda à sua volta, e às vezes houvesse dentro deles uma espécie de buraco que não conseguem preencher com nada".



“...angústia, ansiedade, desânimo, falta de energia e, sobretudo, uma tristeza profunda, às vezes tédio e apatia sem fim. Faz as coisas com dificuldade, como se estivesse pesado, lento, sem prazer, fazendo o mínimo, só o essencial a cada dia... Quase não conseguem sentir prazer nas coisas que normalmente as interessava, e por isto têm pouquíssimos interesses. São pessimistas. Muitas vezes têm dificuldades com o sono, ou com apetite.


Você conhece a ABRATA?

http://www.abrata.org.br/

terça-feira, 22 de junho de 2010

GATILHOS

“Se amo meu semelhante? Sim, mas onde encontrar meu semelhante?” – Mário Quintana.



No blog da Theresa Hilcar, ao qual já me referi em outro post, ela fala sobre os gatilhos que podem disparar uma crise ou aprofundar um estado latente e tem absoluta razão quando escreve que “...o que pode perfeitamente ser trivial, normal, para muitos, é tremendamente dolorido para nós”.

O computador que quebra, fechando sua janela para o mundo.

Um teste de audiometria que te deixa com nervos à flor da pele por não conseguir repetir o que a fonoaudióloga está falando – e descobre-se ainda mais surdo que antes.

O aniversário chegando e nada a comemorar (um ano a menos nesse mundo, talvez...).

A dor na coluna que só piora e te faz sentir muito mais velho do que é.

As contas que chegam e o dinheiro que falta.

Os carros novos dos vizinhos e a sua vaga vazia. “Culpa” por não ser como eles...

Uma proposta de publicação recusada. Nada que faça parece ter valor para quem quer que seja...

A total inutilidade da busca por emprego, que só reforça o sentimento de inaptidão e incompetência...

Mas o pior mesmo da depressão não são os gatilhos nem sintomas. São a burrice, ignorância e estupidez das pessoas que nos cercam.

São elas as responsáveis pelos gatilhos mais devastadores, pelos sintomas mais profundos e doloridos. Talvez por isso deprimidos sejam um tanto misantrópicos.

Que bom seria viver rodeado apenas de animais. Eles nunca o decepcionam, jamais acusam nem questionam. O amam do jeito que é. Eu queria ser a pessoa que meu cão faz parecer que eu sou.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

SONHOS E DÚVIDAS

"Só sabemos com exatidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida."
Goethe


Um interesse quase nulo sobre o mundo exterior, mas uma intensa e lancinante vivência interior, uma terrível dificuldade em simplesmente viver, profunda insegurança ontológica, um flerte com todos os tipos de crenças sem, no entanto, acreditar em nenhuma delas, falta de identidade e referências numa sociedade em que valores metafísicos estão em pleno declínio.

Posso apostar que você leitor se identifica com o parágrafo acima. Eu me identifico e, assim, me identifico com Fernando Pessoa e Kafka, segundo artigo sobre o "Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Portugês" publicado no Caderno2 do Estadão de ontem. Não sei sobre você, mas a mim falta "apenas" o talento desses dois, talento esse que invejo e busco nas profundezas de meu ser.

Mas será mesmo que tenho algum talento? Se sim, onde terá ido parar que não consigo colocá-lo em prática?

Na caixa de hobbies, ou seja, atividades que dão prazer mas não dão dinheiro? Na repartição de sonhos, ou melhor, coisas fluidas que jamais se materializarão? Na seção de protelados, ou, coisas que deixei pra depois, não desenvolvi e definharam?

Onde está esse talento que tanto procuro? Onde está aquilo que nem sei se existe e que ninguém vê?

Diversos textos nos impelem a buscar e seguir nossos sonhos. Eu mesmo tive por muito tempo - e ainda quero acreditar nela - como diretriz uma frase de Joseph Campbell - "follow your bliss" - mas não estarei eu numa cruzada quixotesca em busca de algo que existe apenas em minha imaginação?

Até que ponto devemos correr em busca de nossos sonhos enquanto, como cantava Cazuza, "o tempo não pára" e a vida vai passando, passando?...

Não será essa minha busca por um suposto talento um artifício que criei para mim mesmo a fim de fugir ao "sistema", ou seja, parar de procurar emprego que, aliás, há tempos é uma tarefa inútil e só me deixa ainda mais deprimido por não resultar em nada?

Existem as mais diversas estórias e causos sobre aqueles que teimaram, lutaram e até remaram contra a maré atrás de sonhos e, finalmente, triunfaram. Muito bonito, mas há um detalhe: conhecemos as estórias dos que tiveram sucesso em suas empreitadas simplesmente porque são ou ficaram famosos com isso.

Não conhecemos as estórias - e o mundo faz questão de escondê-las de nós - daqueles que lutaram a vida toda, se esforçaram ao máximo, tiveram até prejuízos materiais, pessoais e sociais em suas buscas por seus sonhos e, antes de alcançá-los ou materializá-los, seus tempos acabaram, morreram pobres, anônimos, sozinhos.

Sabendo que as estórias de fracassos são a maioria, caso contrário a pirâmide social teria de ser invertida, outra amargurante questão se coloca: vale mesmo a pena lutar sempre, desistir jamais? Ou essa é apenas mais uma frase bonitinha pseudo-motivadora que alegra as cabeças menos-pensantes?

É mesmo certo passar poeticamente a vida atrás de um sonho ou assumirmos pragmaticamente nossa existência e, não visualizando outra saída no horizonte, arrumar um emprego qualquer apenas para pagar as contas e ir sobrevivendo?

E o risco de, no ir sobrevivendo, nos acostumarmos a isso e vida passar, passar, até que seja tarde demais?

terça-feira, 8 de junho de 2010

O Depressivo na Contramão

É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz a uma estrela brilhante

Nietzsche.
 
 
"O Depressivo na Contramão" (leia ali no menu "Artigos", à direita) é mais um brilhante artigo sobre depressão, analisando o livro o Tempo e o Cão, que novamente recomendo.
 
Acredito que todo deprimido já se sentiu na contramão de seu tempo, de sua sociedade, e injustiçado por se sentir assim.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

SUB ZERO

Não sou nada.

Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.

Trechos de “Tabacaria”, Fernando Pessoa.


Dia desses recebi por e-mail, de novo, aquela tal estorinha da reunião numa multinacional em que o chefão diz que ninguém é insubstituível e alguém solta um “E Beethoven?”.

Segue-se então a costumeira lição de moral que tenta nos fazer acreditar que, pelo contrário, nós somos sim insubstituíveis.

Eu até acho legais algumas dessas estorinhas de auto-ajuda, de motivação mas, em geral, elas carregam consigo dois problemas: para pessoas com a auto estima sub zero como eu, que já tentou praticamente de tudo pra “dar certo” na vida (seja lá o que isso for) e não conseguiu, elas caem na questão da auto ajuda que não ajuda quem realmente precisa (veja este post mais antigo). Outra coisa é que, invariavelmente, ou elas fogem à realidade ou, pior, mentem descaradamente.

Uma das que mentem descaradamente é aquela da águia que se retira no alto da montanha, arranca as próprias penas e até o bico para depois meio que renascer, renovada, para enfrentar os desafios da vida. É preciso lembrar às pessoas, ao menos àquelas com idade mental adulta, de que pássaros assim não existem na natureza. E a Fênix é apenas um ser mitológico...

Outras, apenas derrapam. É o caso dessa do insubstituível.

Derrapa em primeiro lugar quando diz que “...Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto”.

Isso significa que eu tenho o tal talento mas é o outro – os líderes, o chefe... - que precisa me descobrir e me incentivar... Ora, saída pela esquerda, não?! Se não tenho sucesso não é porque sou um zero à esquerda, é culpa dos outros que ainda não me descobriram. Brilhante...

Depois, dizer que somos únicos é... O óbvio ululante! Claro que somos todos únicos, assim como todo mundo. Isso é uma coisa. Outra é ter, de fato, um talento único.

De uma vez por todas, NÃO, não somos todos Beethovens, Einsteins, Garrinchas ou Zacarias. Muitos de nós não tem talento especial algum ou, que seja, talento razoavelmente destacante e aproveitável numa empresa.

Muitos de nós, a imensa maioria, somos apenas peões. De macacão ou de gravata, mas peões. Somos sim substituíveis. Não fosse assim o sistema todo, a economia, a vida em sociedade não funcionava. Lembrando que se você não é substituível também não pode ser promovido, certo?!  ;-)

Mas ninguém, com ou sem talento, gosta desse tipo de choque de realidade. Auto-enganar-se parece ser o hobby oficial e natural do ser humano.

domingo, 30 de maio de 2010

AUTO ENGANO

A relação mais íntima, traiçoeira e definidora de um ser humano é a que ele trava consigo mesmo.


Essa frase está no livro Auto Engano, de Eduardo Gianetti.

Há algum tempo quero ler esse livro, mas em minhas divagações acabo esquecendo de comprar. Hoje, procurando por uma resenha dele, acabei encontrando o PDF do livro na íntegra, que compartilho com vocês aqui no Crônicas.

Veja o menu de "Artigos" alí à direita.

Comecei a ler e ainda não posso dar minha opinião mas, sendo a depressão uma viagem às profundezas de nosso interior, acredito que vale o investimento de tempo.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O LADO BOM DA DEPRESSÃO


Antes de se revoltar com o título (li várias críticas coléricas em outros sites), leia com atenção. A Revista Galileu publicou artigo bastante interessante sobre o assunto.

Acredito que a depressão seja um processo e, como tal, obviamente há começo, meio e fim. Não tenho muita certeza sobre se há mesmo um fim ou apenas um recesso, uma diminuição dos sintomas - ou, talvez, quem tenha passado por tal processo nunca mais volta a ser a mesma pessoa de antes, por isso a não percepção de fim no sentido de "voltar ao normal".

De qualquer modo, creio que é possível sim enxergar o lado bom desse transtorno, basta que se chegue neste estágio.

Se você não vê é porque ainda não chegou lá.

Na coluna à direita coloquei um link para um "doc no qual copiei parte de artigos nesse sentido.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

DONA ROSA



Minha mais forte recordação dela somos nós dois, em plena tarde de sol, sentados no sofá da sala, ela fazendo tricô (ou aquilo era crochê, nunca sei) e eu comendo biscoitos.

Volta e meia, olhando sobre os óculos, ela dava uma espiadela na TV em preto e branco em que eu assistia aos desenhos do Pernalonga.

Gordinho, às vezes eu “matava” um pacote de bolacha ou salgadinho e ela me dava dinheiro pra ir correndo durante o intervalo comprar outro na venda da esquina.
Enquanto minha mãe, professora de primário, trabalhava meio período – que era quase que o dia inteiro pois gastava horas de ônibus entre o Ipiranga e São Caetano – ela que tomava conta de mim.

Nos raros momentos de sarcasmo, gostava de lembrar à família toda cenas de quando eu era bem pequeno, coisas envolvendo nariz escorrendo, fraldas cheias, medos... Não era por mal, claro, era só pra rirmos um pouco.

Minha avó paterna, a Dona Rosa, 93 anos, faleceu hoje.

terça-feira, 11 de maio de 2010

DEPRESSÃO COMO UM DESPERTAR DA IGNORÂNCIA SOBRE A VIDA

A frase acima, de certo modo, resume meus últimos 5 anos. Era essa "A" frase que tanto procurei.

Achei em um web site, cujo endereço repasso abaixo, repleto de curtos e interessantes artigos sobre nosso assunto em particular.

Não vejo com muito bons olhos a frase "Cura para a Depressão através..." disso ou daquilo, mas como não há nenhum "clique aqui e compre..." ou "filie-se à nossa Igreja" abaixo dos textos, vale a pena uma lida.

São textos breves, não sei da profundidade de seu valor médico-científico mas, muitas vezes, o óbvio é a coisa mais difícil de enxergar e é disso que eles tratam.


Gostei especialmente de ter lido algo sobre o que intuía - o despertar (nem diria tanto da ignorância, mas da ingenuidade) e da descoberta de potenciais desconhecidos (ambos no menu à direita - Despertar para a Vida).

O endereço é:
http://tratamentodadepressao.org/

sábado, 8 de maio de 2010

... SOU MAX



- Eu não sou rei, nem viking, nem nada.
- Mas o que você é então?
- ... ... ... Sou Max.
- Bem, não é grande coisa, não é mesmo?

O garoto Max conversa com seu monstruoso alter ego Carol em Onde Vivem os Monstros.

Passar por um momento de auto descoberta não é coisa somente para infância e adolescência. Pode ser muito revelador – e muito doloroso também – já na idade adulta.

Não sei ao certo se o processo depressivo pelo que passei tem a ver com isso, ou se passei por isso durante o episódio depressivo. Sei lá. Não lembro se estava na descida ou na subida, mas me recordo claramente de estar diante de mim mesmo por diversas vezes num diálogo muito semelhante ao de Max e Carol.

Vi, a certa altura, que eu não era quem imaginava ser ou quem havia planejado ser. Não era “...nem rei, nem viking, nem nada”. Eu era apenas eu mesmo.

Pode parecer ridículo, mas para mim foi um choque de realidade. Foi como se todo o cenário duramente construído ao longo dos anos simplesmente desmoronasse e, de repente, percebesse que na realidade recém percebida as personas cultivadas não mais se encaixassem.
Foi como ficar nu diante de mim mesmo pela primeira vez vendo que não me parecia com o que imaginava. Nem de longe.

O filme citado lá em cima vale a pena. Não se engane: apesar de protagonizado por um garoto e cheio de monstros na tela, não é um filme para crianças. Aliás, grande parte dos adultos também não entenderá bulhufas. Deprimidos compreenderão, tenho certeza.

O garoto Max passa por uma fase de mudanças e revoluções internas, psicoemocionais e, meio que por acidente, acaba fazendo uma viagem interior – para uma ilha onde só aconteceria aquilo que desejasse - na qual convive e confronta as facetas de sua personalidade.

Preste atenção em quem o garoto se liga de imediato, a necessidade de construir um “forte” inexpugnável para viver com “seus amigos” monstros, os diversos diálogos com seus alter egos e, no final...

Bem, está em DVD. Aproveite.