sexta-feira, 24 de setembro de 2010

POBRE JORGE

 
“A vida de todo mundo é como uma longa calçada. Algumas são bem pavimentadas. Outras, como a minha, tem fendas, cascas de banana e bitucas de cigarro”.

Max Horowitz



Jorge passara dos 40 e estava (ou era, já nem sabia mais depois de tanto tempo) deprimido.

Na verdade, como aquele cão que só entra num bosque até a metade, porque depois dela já está saindo, caminhava para os 50 e estava desempregado. Por sorte, sua mulher ganhava o suficiente para manter a casa, mas ele já duvidava de quanto tempo mais conseguiria se manter em casa.

Como dizia um colega, houve dias em que teve de se segurar no batente da porta, pois sua mulher cobrava furiosamente alguma atitude. As mulheres se habituaram rapidinho à igualdade de direitos, pensava ele, mas não à igualdade de deveres. Fosse ele, o homem, mantenedor da casa não haveria encrencas, mas são poucas as mulheres que admitem um marido “do lar”. A dele não era uma delas.

Mas Jorge...

Jorge era todo reticências. Tudo, todos os pensamentos, tomadas de decisão, argumentos, iniciativas... Tudo para ele sempre vinha acompanhado de muitas, mas muitas reticências... E assim era difícil sair de seu lodaçal de pensamentos.

Passava tardes inteiras no computador, isolado em um cômodo escuro da casa. Vez ou outra, para variar um pouco, fazia palavras-cruzadas. Certa vez estava completando uma quando leu “aqueles de bem com a vida” e, estranhamente, a primeira coisa que lhe veio à mente cabia no espaço: “retardados”. Essa palavra não cruzava direito com as outras, mas como cabia ali escreveu mesmo assim e abandonou o hobby naquele dia.

Resolveu ir ao shopping ali perto de sua casa ficar vendo vitrines. Coisa meio boiola, seu superego lhe dizia, mas para quem estava há dias enfurnado criando mofo em casa talvez fosse bom ver como andava o mundo lá fora. A tarde estava maravilhosamente cinzenta, quase fria e assim ele não suaria ao fazer o trajeto a pé.

Vitrines, vitrines, vitrines... Desempregado e duro, sem coragem de ficar pedindo dinheiro à esposa, sentia-se como um cachorro na calçada olhando frangos rolando naqueles fornos: podia babar por algo, mas não podia tê-lo.

De fato, ele nem desejava nada, só queria dispersar um pouco. Começou a rir sozinho quando viu calças jeans todas rasgadas, trituradas, vendidas a preços exorbitantes. Lembrou do Dr.House que em certo episódio disse que “...algumas pessoas gastam fortunas para parecerem mendigos...”.

Essas pessoas deviam economizar, pensou, e talvez comprar uma calça jeans “normal”, vesti-la e atravessar a 23 de Maio de olhos vendados na hora do rush. Mancharia de sangue, um pouco, mas os rasgos e ralados ficariam bem parecidos.

O cartaz no cinema anunciava o filme 2012. Nem valeria a pena assistir e sonhar com esse alívio. Os especialistas já o haviam feito desistir de esperar o fim tão próximo e o mundo, que merda, ainda ia durar muito. Acabaram com sua graça ao desmistificarem o Calendário Maia e as demais supostas previsões desastrosas.

Ele não entendia o medo que as pessoas tinham do Armagedom. O mundo, acabando, todo o sofrimento de todas as pessoas terminaria, oras! E, num país eminentemente cristão, não era a maioria delas que acreditava em vida após a morte, em “ir para junto do Senhor”? Pior ele que não acreditava em coisa alguma. Jorge havia retirado o verbete “acreditar” de seu cérebro. Tornara-se racional, exato, lógico.

Isso o fez lembrar de Max, que trocava cartas com Mary (veja o trailer). Ele se identificava com o personagem (outro trecho do filme). No filme... Bem, não vou contar o fim, mas ele imaginava que terminaria como Max.

Aliás, Jorge havia se tornado tudo o que no passado, em seus piores pesadelos, temera: solitário, fracassado, pobre, sem perspectivas, gordo e com dores pelo corpo. Certa vez lhe disseram que devia tomar cuidado com o que pensava, pois o pensamento negativo atrairia coisas ruins. Temer algo poderia fazer com que se tornasse real, lhe disseram, mas ele pensava diferente. Se temia era porque havia a consciência profunda de que aquilo poderia vir a se tornar realidade. Era como se a vida fosse um caminhar sobre uma lâmina: tudo pode parecer estar indo muito bem, mas basta um pequeno deslize e...

E assim, atolado em pensamentos dispersos e desconexos, Jorge passava seus dias reticentes...