Finalmente, depois de passar uma vida inteira ouvindo “você tem de ser mais desinibido...”, “você tem de ser
mais sociável...”, “você é muito fechado...”, “você é muito calado...”...
“...hoje abrimos espaço para um número notavelmente limitado de
estilos de personalidade. Dizem que para sermos bem-sucedidos temos que ser
ousados, que para sermos felizes temos que ser sociáveis.
Vemo-nos como uma nação de extrovertidos --o que significa que
perdemos de vista quem realmente somos. Dependendo de que estudo você
consultar, de um terço a metade dos norte-americanos é introvertido-- em outras
palavras, uma em cada duas ou três pessoas que você conhece. (Considerando que
os EUA estão entre as nações mais extrovertidas, o número deve ser pelo menos
tão alto quanto em outras partes do mundo.) Se você não for um introvertido,
certamente está criando, gerenciando, namorando ou casado com um.
Se essas estatísticas o surpreendem, provavelmente é porque muitas
pessoas fingem ser extrovertidas. Introvertidos disfarçados passam batido em
parquinhos, vestiários de escolas e corredores de empresas. Alguns enganam até
a si mesmos, até que algum fato da vida --uma dispensa, a saída dos filhos de
casa, uma herança que permite que passem o tempo como quiserem-- os leva a
avaliar sua própria natureza.
Você só precisa abordar o tema deste livro com seus amigos e
conhecidos para descobrir que mesmo as pessoas mais improváveis consideram-se
introvertidas.
Faz sentido que tantos introvertidos escondam-se até de si mesmos.
Vivemos em um sistema de valores que chamo de "ideal da extroversão"
--a crença onipresente de que o ser ideal é gregário, alfa, sente-se
confortável sob a luz dos holofotes. O típico extrovertido prefere a ação à
contemplação, a tomada de riscos à cautela, a certeza à dúvida. Ele prefere as
decisões rápidas, mesmo correndo o risco de estar errado. Ele trabalha bem em
equipes e socializa em grupos.
Gostamos de acreditar que prezamos a individualidade, mas muitas
vezes admiramos um determinado tipo de indivíduo --o que fica confortável sendo
o centro das atenções. É claro que permitimos que solitários com talento para a
tecnologia que criam empresas em garagens tenham a personalidade que quiserem,
mas estes são exceções, não a regra, e nossa tolerância estende-se
principalmente àqueles que ficaram incrivelmente ricos ou que prometem fazê-lo.
DECEPÇÃO
Introversão --com suas companheiras sensibilidade, seriedade e
timidez-- é, hoje, um traço de personalidade de segunda classe,
classificada em algum lugar entre uma decepção e uma patologia. Introvertidos
vivendo sob o ideal da extroversão são como mulheres vivendo em um mundo de
homens, desprezadas por um traço que define o que são. A extroversão é um
estilo de personalidade extremamente atraente, mas a transformamos em um padrão
opressivo que a maioria de nós acha que deve seguir.
O ideal da extroversão tem sido bem documentado em vários estudos,
apesar dessa pesquisa nunca ter sido agrupada sob um único nome. Pessoas
loquazes, por exemplo, são avaliadas como mais espertas, mais bonitas, mais
interessantes e mais desejáveis como amigas. A velocidade do discurso conta
tanto quanto o volume: colocamos aqueles que falam rápido como mais competentes
e simpáticas que aqueles que falam devagar.
A mesma dinâmica aplica-se a grupos, em que pesquisas mostram que
os eloquentes são considerados mais inteligentes que os reticentes --apesar de não
haver nenhuma correlação entre o dom do falatório e boas ideias.
Até a
palavra "introvertido" ficou estigmatizada --um estudo informal feito
pela psicóloga Laurie Helgoe mostrou que os introvertidos descrevem a própria
aparência física com uma linguagem vívida ("olhos verde-azulados",
"exótico", "maçãs do rosto salientes"), mas quando se pede
para descreverem introvertidos em geral eles delineiam uma imagem insossa e
desagradável ("desajeitado", "cores neutras",
"problemas de pele").
Mas cometemos um erro grave ao abraçar o ideal da extroversão tão
inconsequentemente. Algumas das nossas maiores ideias, a arte, as invenções
--desde a teoria da evolução até os girassóis de Van Gogh e os computadores
pessoais-- vieram de pessoas quietas e cerebrais que sabiam como se comunicar
com seu mundo interior e os tesouros que lá seriam encontrados.
Sem introvertidos, o mundo não teria a
teoria da gravidade; a teoria da relatividade; "O Segundo Advento",
de W.B. Yeats; Os "Noturnos" de Chopin; "Em Busca do Tempo
Perdido", de Proust; Peter Pan; "1984" e "A Revolução dos
Bichos, de George Orwell; "O Gato do Chapéu", do Dr. Seuss; Charlie
Brown; "A Lista de Schindler", "E.T." e "Contatos
Imediatos de Terceiro Grau", de Steven Spielberg; o Google; Harry Potter.
ESTÍMULOS
Como escreveu o jornalista científico Winifred Gallagher: "A
glória da disposição que faz com que se pare para considerar estímulos em vez
de render-se a eles é sua longa associação com conquistas intelectuais e
artísticas. Nem o E=mc² de Einstein nem 'Paraíso Perdido', de John Milton,
foram produzidos por festeiros."
Mesmo em ocupações menos óbvias para os introvertidos, como
finanças, política e ativismo, alguns dos grandes saltos foram dados por eles.
Figuras como Eleanor Roosevelt, Al Gore, Warren Buffett, Gandhi --e Rosa
Parks-- conquistaram o que conquistaram não "apesar de", mas por
causa de sua introversão.
Mesmo assim, muitas das mais importantes instituições da vida
contemporânea são criadas para aqueles que gostam de projetos em grupo e altos
níveis de estímulo. Nas turmas infantis, cada vez mais as mesas das salas de
aula são arrumadas em forma de concha, a melhor para encorajar o aprendizado em
grupo, e pesquisas sugerem que a grande maioria dos professores acha que o
aluno ideal é um extrovertido.
As crianças assistem a programas de TV em que os protagonistas não são crianças
como qualquer uma, mas estrelas do rock, por exemplo, como Hannah Montana.
Quando adultos, muitos de nós trabalhamos para empresas que
insistem em que trabalhemos em grupo, em escritórios sem paredes, para
supervisores que valorizam "um bom relacionamento interpessoal" acima
de tudo. Para avançarmos em nossas carreiras, espera-se que nos promovamos
descaradamente.
Os cientistas cujas pesquisas conseguem financiamento muitas vezes
possuem personalidades confiantes, talvez até demais. Os artistas cujos
trabalhos adornam as paredes de museus de arte contemporânea posam de forma a
impressionar nos vernissages. Os autores que têm seus livros publicados --tidos
no passado como uma raça reclusa-- hoje são avaliados pelos editores para
assegurar que possam participar de programas de entrevistas. (Você não estaria
lendo este livro se eu não tivesse convencido meu editor de que sou
suficientemente pseudoextrovertida para promovê-lo.)
DOR
Se você é um introvertido, também sabe que o preconceito contra os
quietos pode provocar uma profunda dor psicológica. Quando criança, pode ter
ouvido seus pais se desculparem pela sua timidez. ("Por que você não pode
ser mais parecido com os meninos Kennedy?", repetiam constantemente os
pais de um homem que entrevistei.) Ou na escola você pode ter sido estimulado a
"sair da sua concha" --expressão nociva que não valoriza o fato de
que alguns animais naturalmente carregam seu abrigo aonde quer que vão, assim
como alguns humanos.
"Ainda ouço todos os comentários da minha infância em minha
cabeça, dizendo que eu era preguiçoso, burro, lento, chato", escreveu um
membro de uma lista de e-mail chamada Refúgio dos Introvertidos. "Quando
eu tive idade suficiente para entender que eu simplesmente era introvertido, a
suposição de que algo estava inerentemente errado comigo já era parte do meu
ser. Queria encontrar esse vestígio de dúvida e tirá-lo de mim."
Agora que você é um adulto, talvez ainda sinta uma ponta de culpa
quando recusa um convite para jantar para ler um bom livro. Ou talvez você
goste de comer sozinho em restaurantes, podendo passar sem os olhares de pena
dos outros clientes. Ou lhe dizem que você "fica muito na sua
cabeça", uma frase muitas vezes utilizada contra os quietos e cerebrais.
É claro que há outro nome para pessoas assim: pensadores.
O livro "O Poder dos Quietos", lançado em maio pela
editora Agir, já está à venda.