sexta-feira, 17 de setembro de 2010

TER DEPRESSÃO É BOM, RUIM É ESTAR DEPRIMIDO

Brincadeiras à parte, novamente se levanta a questão bastante polêmica do tal "lado bom da depressão": a revista Mente e Cérebro deste mês traz artigos nos quais especialistas afirmam que a depressão "...pode ser uma adaptação mental saudável que nos oferece melhores condições para resolver problemas complexos" em "O Lado Luminoso da Escuridão".

Em outro artigo, "É Mesmo Ruim Sentir-se Tão Triste?", explicam o TDM como um "...mecanismo de autoproteção contra situações desgastantes; o rebaixamento do humor aumenta a capacidade de concentração e nos faz rever atitudes".

Há também uma crítica (positiva, de modo geral) ao livro "A Tristeza Perdida" dos psiquiatras Allan Horwitz e Jerome Wakefield, no artigo "Com quanta tristeza se faz uma depressão?", segundo o qual "...os autores querem demonstrar que a tristeza intensa é uma capacidade natural humana e não uma fraqueza de caráter e que a tristeza é produto de processos mentais relevantes funcionando conforme foram biologicamente projetados para reagir à perda. São problematizadas as vantagens e desvantagens de haver definições demasiado amplas de transtorno depressivo, bem como tratamentos injustificados, medicalização desnecessária e estigmatização".

A depressão é comparada a uma febre: ela não é o problema, mas sim um sintoma e, como a febre, necessária em determinadas situações para o restabelecimento e reequilíbrio do organismo, ou seja, o nosso.

Ainda estou lendo, mas uma coisa me chamou a atenção: nestes e em outros artigos os especialisatas parecem ser unânimes em propor aos deprimidos que não fujam do problema, não procurem distrações ou sigam conselhos até bem intencionados como "manter a cabeça ocupada ajuda a melhorar" ou "vai trabalhar que passa". Isso apenas prolonga o sofrimento ou o transforma numa bomba relógio, que mais cedo ou mais tarde...

Ao contrário, dizem que devemos sentir o problema, vivenciar essas emoções, colocar para fora, escrevam sobre o que se está passando. Instintivamente, é mais ou menos isso que tenho feito aqui.

Experimente você também. É realmente aliviante.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

NEGÃO

Cães se conhecem uns aos outros e não sabem seus nomes. Acho bom mas, para contar essa outra estória, vamos dizer que ele se chamava Negão.

Quando eu tinha restrições de horários impostas pelo trabalho levava minhas cadelas para passear na praça próxima de casa à noite, após o expediente.

A primeira vez que vi Negão fiquei receoso: grande, magro, sentado num canto escuro da praça, meio descabelado e olhos amarelados, logo me fez lembrar aquelas cenas de filmes de terror em que os olhos de alguma fera brilham no escuro da noite.

Ele se aproximou hesitante, não veio diretamente a nós, circundando o que podia ser um invasor hostil. Fiquei preocupado, pois ele poderia realmente se sentir ameaçado (por uma ferocíssima ShihTzu de lacinhos rosa e uma Schnauzer com a personalidade do Garfield).

Estávamos estudando a situação, olhos fixos um no outro apesar de já ter lido que contato visual pode ser interpretado como agressão. Se é verdade, ele que ficasse com medo de mim.

Curiosas e solícitas demais, sem nenhuma noção de perigo, as duas correram para conhecê-lo. Percebi que ele ficou um tanto incomodado, como que com medo delas. Caminhou em minha direção, fiquei firme e, de repente, ele encostou a cabeça em minha perna (quase em minha cintura) pedindo um afago...

Ficamos amigos.

Continuei encontrando Negão por diversas vezes, inclusive depois que ele se associou a um morador de rua. Tomava conta dos apetrechos do homem enquanto ele ia comprar pinga e salame no bar da esquina.

Brincalhão, corria pela praça solto, livre, sem horários nem obrigações. Ambos dormiam no coreto, mas Negão tomava seu banho de sol diário deitado entre os canteiros floridos. Pena nunca ter me ocorrido bater uma foto com o celular. Acho que ainda não me acostumei a tirar fotos com o telefone.

Quando chegava na praça ele corria em nossa direção e sempre vinha me cumprimentar. Algumas vezes levei ração, mas ele ignorava. Estava mais acostumado a comida de verdade, restos que o sem-teto lhe dava.

Uma vez o vi sozinho, do outro lado da Avenida Matarazzo, muito movimentada. Ele parecia estar querendo atravessá-la, mas estava difícil. Estacionei o carro, fui resgatá-lo, acompanhando-o a pé na travessia da avenida e deixei-o na praça, fechando o portão.

Certo dia, novamente na tal praça para o passeio diário, porém agora sem limitações de horário, encontro o morador de rua arrastando um pesado cobertor. Era Negão ali, sem um pedaço de seu flanco direito, sem vida.

Deve ter sido atropelado, mas o tal senhor insistiu em dizer que foi maldade de alguém, que aquilo era coisa feita com facão, que já haviam dito que iam matá-lo pois ele havia encrespado com alguns cães maiores, com donos, que também freqüentam a praça.

Nunca saberemos.

Adeus, Negão.