sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

FIZ NADA...

"...Será que o Diabo fez o mundo enquanto Deus dormia?..."
Tom Waits


Era final de 2006, mais exatamente 20 de dezembro, quando fui demitido da empresa onde trabalhava desde apenas janeiro do mesmo ano.

Não foi algo unilateral nem inesperado. Era um publicitário tentando atuar como técnico atuarial numa empresa de planos de saúde. Não podia dar certo mesmo. Falei com os superiores, pedi que me mudassem de área, mas havia empecilhos salariais e políticos. Resultado: rua.

Mas eu já vinha apresentando há mais de dois anos um comportamento definido por colegas como sorumbático. Acho que tudo começou a degringolar dois anos antes, na empresa em que trabalhei antes dessa em que fui demitido. Nela eu percebi que era o patinho feio, um peixe fora d’água, pois já estava longe de meu habitat natural. Era uma empresa de seguros, cheia de administradores, advogados, matemáticos, técnicos atuariais. Terreno hostil para um publicitário.

No tal fatídico mês de dezembro eu sentia dores terríveis nas costas, tive de ficar uma semana em repouso, faltando do trabalho. Pouco antes disso, peguei uma gripe como nunca havia tido até então. Também faltei uns dias do trabalho. Trabalhei quase nada neste mês.

Assim, entrei em 2007 deprimido, desempregado e sem um plano B. Que tivesse! A tormenta mental que o estado depressivo causa me impossibilitaria de enxergar possibilidades, oportunidades, planejar qualquer coisa teria sido extremamente penoso.

A depressão tomou conta de meu espírito, de minha alma, de minha mente, de meu corpo.

No supermercado, por duas vezes, ao ver aposentados e pessoas idosas fazendo suas compras à minha volta senti as trevas me abraçarem, o carrinho parecia pesar uma tonelada apesar de ainda vazio e tudo o que eu queria era que apagassem a luz para que eu pudesse deitar e ficar ali, no chão, no escuro, no silêncio, para sempre. Com dificuldade para respirar e a força da gravidade elevada à milésima potência sobre meus ombros, o esforço para continuar a empurrar o carrinho, fazer as compras e me comportar como uma pessoa normal, sã, quase me levou às lágrimas, o que me faria sentir ainda mais ridículo.

Em outras duas ou três situações, indo a algum compromisso, desisti no meio do caminho tamanha era minha inexplicável aflição. Faltava ar, a cabeça girava, confusa. Eu parava o carro em ruas escuras, deitava o banco, fechava os vidros, os olhos e ficava por horas em silêncio. Só voltava pra casa quando era mais ou menos a hora em que deveria chegar, evitando explicações por chegar cedo.

Por diversas vezes a agonia era tão sufocante que pensei em sumir, largar tudo, sair pelo mundo deixando essa vida para trás, mais ou menos como o garoto de Natureza Selvagem. Estive muito, muito perto de fazer isso.Acho que se fosse mais jovem teria feito, mas os anos vividos trouxeram mais que duas hérnias de disco... Sabia que essas crises passavam e a idéia ia embora, temporariamente.

Mesmo assim, num esforço hercúleo, comecei a prestar pequenos serviços de marketing. Fiz um folder aqui, um folheto ali, criei um logotipo acolá.

- diagramei livro de normas da Agência Nacional de Saúde;
- criei logotipo para uma consultoria jurídica, além de cartão de visita e papel carta;
- o mesmo para uma consultoria de seguros;
- criei logotipo para empresa do marido de uma ex-colega;
- produzi um folder e apresentação ppt para uma empresa de tecnologia do marido de outra colega;
- prestei serviços de marketing à fábrica de meu pai, criando folhetos, web site, rótulos...;
- acabei indo trabalhar na fábrica, viajando 220km três vezes por semana para ir e voltar;
- ilustrei meu primeiro livro, escrito há uma década;
- escrevi e comecei a ilustrar o segundo;
- escrevi o terceiro;
- mantive ativo o blog Pausa prum Café, com alguns textos bastante elogiados pelos poucos que o visitam;
- comecei e mantive outro blog, o Crônicas de um Deprimido Crônico, que tem até seguidores;
- escrevi textos diversos e distribuí em vários sites na web;
- participei de concurso de criação de mascote para web site vegetariano;
- tentei a idéia de produzir camisetas focando os direitos animais e posse responsável;
- comecei a prestar serviço a duas novas corretoras, criando folder, folhetos, mala-direta, peças promocionais/institucionais...
- aprendi, me virando sozinho e tateando no escuro, a mexer com softwares profissionais como Photoshop, Painter, Dreamweaver, Publisher;
- tornei-me um “faz-tudo” em casa, troquei todas as tomadas e interruptores, luminárias, mudei móveis de lugar, montei móveis novos...

...E algumas outras coisas que não me lembro agora.

Nesse meio tempo, cursei um MBA em marketing e meu TCC foi a melhor nota da classe, fiz religiosamente as compras semanais em supermercado sem esquecer das pequenas urgências resolvidas no varejão ou padarias e encomendas de congelados.

Passeei diariamente, chovesse ou fizesse sol escaldante, com minhas duas cachorrinhas, além de levá-las pontualmente ao seu banho semanal em pet shop e manter a higiene em casa quando a coisa desanda, principalmente depois que adotamos duas felinas.

Mantive as contas pagas dentro de seus prazos.

Li, por baixo, dúzia e meia de livros, boa parte deles sobre depressão, ceticismo em relação à fé e religião, ética, direitos animais e uns poucos de humor.

Não consegui arrumar emprego, parei de tentar e essas minhas atividades profissionais, desenvolvidas num pequeno home Office que montei num quarto, me renderam pouco ou nenhum dinheiro, pois meus clientes são colegas com suas empresas iniciando atividades, ou seja, sem faturamento. Ficou a promessa de que um dia me pagam.

Na pior das hipóteses, aprendi muito e mantive a cabeça ocupada e produtiva.

Aí, três anos depois, agora sentindo que o fundo do poço está um pouco mais longe lá em baixo, minha mulher reclama:

- Pô, você fica aí sem fazer nada!...

2 comentários:

  1. Complicado o não reconhecimento...

    E os seus livros são sobre o quê?


    Lu

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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