segunda-feira, 11 de junho de 2012

O PODER DOS QUIETOS

Finalmente, depois de passar uma vida inteira ouvindo “você tem de ser mais desinibido...”, “você tem de ser mais sociável...”, “você é muito fechado...”, “você é muito calado...”...


“...hoje abrimos espaço para um número notavelmente limitado de estilos de personalidade. Dizem que para sermos bem-sucedidos temos que ser ousados, que para sermos felizes temos que ser sociáveis.

Vemo-nos como uma nação de extrovertidos --o que significa que perdemos de vista quem realmente somos. Dependendo de que estudo você consultar, de um terço a metade dos norte-americanos é introvertido-- em outras palavras, uma em cada duas ou três pessoas que você conhece. (Considerando que os EUA estão entre as nações mais extrovertidas, o número deve ser pelo menos tão alto quanto em outras partes do mundo.) Se você não for um introvertido, certamente está criando, gerenciando, namorando ou casado com um.

Se essas estatísticas o surpreendem, provavelmente é porque muitas pessoas fingem ser extrovertidas. Introvertidos disfarçados passam batido em parquinhos, vestiários de escolas e corredores de empresas. Alguns enganam até a si mesmos, até que algum fato da vida --uma dispensa, a saída dos filhos de casa, uma herança que permite que passem o tempo como quiserem-- os leva a avaliar sua própria natureza.

Você só precisa abordar o tema deste livro com seus amigos e conhecidos para descobrir que mesmo as pessoas mais improváveis consideram-se introvertidas.

Faz sentido que tantos introvertidos escondam-se até de si mesmos. Vivemos em um sistema de valores que chamo de "ideal da extroversão" --a crença onipresente de que o ser ideal é gregário, alfa, sente-se confortável sob a luz dos holofotes. O típico extrovertido prefere a ação à contemplação, a tomada de riscos à cautela, a certeza à dúvida. Ele prefere as decisões rápidas, mesmo correndo o risco de estar errado. Ele trabalha bem em equipes e socializa em grupos.

Gostamos de acreditar que prezamos a individualidade, mas muitas vezes admiramos um determinado tipo de indivíduo --o que fica confortável sendo o centro das atenções. É claro que permitimos que solitários com talento para a tecnologia que criam empresas em garagens tenham a personalidade que quiserem, mas estes são exceções, não a regra, e nossa tolerância estende-se principalmente àqueles que ficaram incrivelmente ricos ou que prometem fazê-lo.

DECEPÇÃO

Introversão --com suas companheiras sensibilidade, seriedade e timidez-- é, hoje, um traço de personalidade de segunda classe, classificada em algum lugar entre uma decepção e uma patologia. Introvertidos vivendo sob o ideal da extroversão são como mulheres vivendo em um mundo de homens, desprezadas por um traço que define o que são. A extroversão é um estilo de personalidade extremamente atraente, mas a transformamos em um padrão opressivo que a maioria de nós acha que deve seguir.

O ideal da extroversão tem sido bem documentado em vários estudos, apesar dessa pesquisa nunca ter sido agrupada sob um único nome. Pessoas loquazes, por exemplo, são avaliadas como mais espertas, mais bonitas, mais interessantes e mais desejáveis como amigas. A velocidade do discurso conta tanto quanto o volume: colocamos aqueles que falam rápido como mais competentes e simpáticas que aqueles que falam devagar.

A mesma dinâmica aplica-se a grupos, em que pesquisas mostram que os eloquentes são considerados mais inteligentes que os reticentes --apesar de não haver nenhuma correlação entre o dom do falatório e boas ideias

Até a palavra "introvertido" ficou estigmatizada --um estudo informal feito pela psicóloga Laurie Helgoe mostrou que os introvertidos descrevem a própria aparência física com uma linguagem vívida ("olhos verde-azulados", "exótico", "maçãs do rosto salientes"), mas quando se pede para descreverem introvertidos em geral eles delineiam uma imagem insossa e desagradável ("desajeitado", "cores neutras", "problemas de pele").
Mas cometemos um erro grave ao abraçar o ideal da extroversão tão inconsequentemente. Algumas das nossas maiores ideias, a arte, as invenções --desde a teoria da evolução até os girassóis de Van Gogh e os computadores pessoais-- vieram de pessoas quietas e cerebrais que sabiam como se comunicar com seu mundo interior e os tesouros que lá seriam encontrados.

Sem introvertidos, o mundo não teria a teoria da gravidade; a teoria da relatividade; "O Segundo Advento", de W.B. Yeats; Os "Noturnos" de Chopin; "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust; Peter Pan; "1984" e "A Revolução dos Bichos, de George Orwell; "O Gato do Chapéu", do Dr. Seuss; Charlie Brown; "A Lista de Schindler", "E.T." e "Contatos Imediatos de Terceiro Grau", de Steven Spielberg; o Google; Harry Potter.

ESTÍMULOS
Como escreveu o jornalista científico Winifred Gallagher: "A glória da disposição que faz com que se pare para considerar estímulos em vez de render-se a eles é sua longa associação com conquistas intelectuais e artísticas. Nem o E=mc² de Einstein nem 'Paraíso Perdido', de John Milton, foram produzidos por festeiros."

Mesmo em ocupações menos óbvias para os introvertidos, como finanças, política e ativismo, alguns dos grandes saltos foram dados por eles. Figuras como Eleanor Roosevelt, Al Gore, Warren Buffett, Gandhi --e Rosa Parks-- conquistaram o que conquistaram não "apesar de", mas por causa de sua introversão.

Mesmo assim, muitas das mais importantes instituições da vida contemporânea são criadas para aqueles que gostam de projetos em grupo e altos níveis de estímulo. Nas turmas infantis, cada vez mais as mesas das salas de aula são arrumadas em forma de concha, a melhor para encorajar o aprendizado em grupo, e pesquisas sugerem que a grande maioria dos professores acha que o aluno ideal é um extrovertido.

As crianças assistem a programas de TV em que os protagonistas não são crianças como qualquer uma, mas estrelas do rock, por exemplo, como Hannah Montana.

Quando adultos, muitos de nós trabalhamos para empresas que insistem em que trabalhemos em grupo, em escritórios sem paredes, para supervisores que valorizam "um bom relacionamento interpessoal" acima de tudo. Para avançarmos em nossas carreiras, espera-se que nos promovamos descaradamente.

Os cientistas cujas pesquisas conseguem financiamento muitas vezes possuem personalidades confiantes, talvez até demais. Os artistas cujos trabalhos adornam as paredes de museus de arte contemporânea posam de forma a impressionar nos vernissages. Os autores que têm seus livros publicados --tidos no passado como uma raça reclusa-- hoje são avaliados pelos editores para assegurar que possam participar de programas de entrevistas. (Você não estaria lendo este livro se eu não tivesse convencido meu editor de que sou suficientemente pseudoextrovertida para promovê-lo.)

DOR

Se você é um introvertido, também sabe que o preconceito contra os quietos pode provocar uma profunda dor psicológica. Quando criança, pode ter ouvido seus pais se desculparem pela sua timidez. ("Por que você não pode ser mais parecido com os meninos Kennedy?", repetiam constantemente os pais de um homem que entrevistei.) Ou na escola você pode ter sido estimulado a "sair da sua concha" --expressão nociva que não valoriza o fato de que alguns animais naturalmente carregam seu abrigo aonde quer que vão, assim como alguns humanos.

"Ainda ouço todos os comentários da minha infância em minha cabeça, dizendo que eu era preguiçoso, burro, lento, chato", escreveu um membro de uma lista de e-mail chamada Refúgio dos Introvertidos. "Quando eu tive idade suficiente para entender que eu simplesmente era introvertido, a suposição de que algo estava inerentemente errado comigo já era parte do meu ser. Queria encontrar esse vestígio de dúvida e tirá-lo de mim."

Agora que você é um adulto, talvez ainda sinta uma ponta de culpa quando recusa um convite para jantar para ler um bom livro. Ou talvez você goste de comer sozinho em restaurantes, podendo passar sem os olhares de pena dos outros clientes. Ou lhe dizem que você "fica muito na sua cabeça", uma frase muitas vezes utilizada contra os quietos e cerebrais.

É claro que há outro nome para pessoas assim: pensadores.
O livro "O Poder dos Quietos", lançado em maio pela editora Agir, já está à venda.

8 comentários:

  1. Obrigada pelo seu texto.
    Por mais clichê que isso possa soar, é muito bom saber que não sou a única.

    Não faço parte do comum, sou mais retraída e introspectiva.
    Adoro ficar sozinha em casa, coisa abominável para a maioria das pessoas.
    Lembro de uma frase que li há algum tempo que falava do tempo em que ficar sozinho não era tédio, e sim encontrar a paz.

    Moro com duas amigas que passam 90% do tempo que ficam em casa no sofá assistindo TV enquanto comentam fotos e compartilham frases da Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu no facebook.
    Mas me olham como se eu fosse um ET quando vou para meu quarto ler um livro ou ver um filme ao invés de acompanhar a novela.

    Infelizmente, a tal dor psicológica realmente existe. Ao mesmo tempo que minhas escolhas me satisfazem, a pressão de ser diferente me assola.
    Impossível ficar indiferente à pressão da sociedade.

    Diversas vezes me sinto deixada de lado por amigos e parentes. O fato de ser mais introvertida não quer dizer que não gosto da companhia dos outros.

    Meus próprios pensamentos me torturam, acho que devo ser muito chata e desinteressante para este mundo.
    E não vejo a hora de poder sair dele.

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  2. Olá Isabella.
    Obrigado por escrever aqui para o CDC. Coloquei aqui este artigo pois, assim como vc, me identifiquei totalmente (e muitos dos que lêem esse blog também).
    Não gosto de dar conselhos ou receitas, mas posso dizer como consegui vencer, ao menos parcialmente, este problema. Posso parecer pedante, arrogante ou qq outro adjetivo que lhe venha à mente, mas o fato é que quando comecei a perceber que a grande maioria das pessoas é, na verdade, um bando de imbecis, me senti melhor.
    Comecei a procurar valores dentro de mim ou a dar valor às coisas dentro de mim que percebia os outros não terem. E esses tais "meus valores" são comuns a todos os introspectivos: um senso mais agudo e profundo de observação, profundidade de pensamento e raciocínio claro, objetivo, todo o conhecimento adquirido em anos e anos de leituras solitárias enquanto os outros iam pular Carnaval ou assistir novelas.
    Então arme-se de seus valores e vá à luta. Arme-se de argumentos. Quando lhe fizerem alguma desfeita por vc ser asism ou assado, mostre-lhes que eles são "assim e assado" também. Se te acham uma ET por ficar lendo livros, informe-lhes sobre o QI de ameba de quem assiste Big Brother ou novelinhas da Globo...

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  3. Hey,HeAdSHakEr! Obrigada pela resposta :)
    Percebi que faz tempo que você não atualiza seu blog...uma pena já que gostei muito daqui e me identifiquei demais com os poucos posts que li e gostei das tirinhas também!

    Fiquei pensando no que você escreveu.

    De fato, quando estou comigo mesma, meus valores e escolhas me parecem corretos e me trazem paz de espírito.
    Quando olho para dentro da minha mente, gosto de algumas características que vejo lá e muito me decepcionam as pessoas que vivem no mundo que foi posto diante delas sem ao menos tenta espiar por cima do mundo e ver que talvez, o que a TV tem para dizer não é o suficiente para elas.

    No entanto, os conflitos e a depressão aparecem quando "saio da concha". Como já disseram: O Inferno São Os Outros!
    Porque ao sair da concha, encontro um mundo onde a grande maioria das pessoas, cobra de mim o que não sou. E então me sinto à parte de tudo, deslocada e muitas vezes, errada. Acho que é daí que os conflitos aparecem.

    Acho que o seu conselho faça parte do caminho para encontrar um equilíbrio entre tudo isso e já estou me esforçando e me tratando para tentar segui-lo.

    Um abraço,
    Isabella

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  4. Já viu gado andando ou correndo? Sabe como gado se comporta? Um segue o outro, sem nem pensar. É bastante possível que uma manada inteira caia num precipício se o primeiro cair.

    Pessoas em geral e em especial as mais festeiras e extrovertidas não são muito diferentes...

    Mas, uma coisa interessante: o cinema (os filmes) está repleto de personagens que não se enquadram e, em muitos casos, são admirados por isso!

    No meu caso, é quase impossível me enquadrar: não tenho religião (Deus me livre!...rs...), sou vegetariano, não tenho filhos, não gosto nem sei nada de futebol, novela ou BBB...

    Tenho uma colega de algo em torno de 50 anos. Se olhar para ela verá uma senhora de cabelos desgrenhados, zero de maquiagem ou adereços, jeans surrado, camisão e sapatos do tipo London Fog (lembra deles?) ou alpargatas. Pois é, esta senhora é uma das mais respeitadas e reconhecidas em sua área, inclusive internacionalmente (ela é médica). Sabe tudo sobre quase todos os museus do mundo, fala sobre arte, música e literatura como ninguém, assim como sobre política, economia e as principais notícias (as relevantes...), mas nem pense em entrar numas de falar com ela sobre novela e coisas do tipo. Ela fica com cara de paisagem, vira as costas pra você e vai pra outra roda de pessoas pois "você se tornou desinteressante" para ela.

    Dia desses estávamos numa roda conversando e por causa do assunto em pauta na turma de homens ao lado(futebol), minha esposa comentou com ela que eu sou um pouco diferente. Ela deu uma piscada e disse: "às vezes, ser diferente é bem melhor, não é mesmo?!"

    Vindo dela, pra mim isso foi um enorme elogio...

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  5. Talvez haja mais 'diferentes' do que eu pensava...

    Também não quero ter ter filhos. Se sendo homem você já deve perceber o estranhamento das pessoas, imagina só sendo mulher. Para muitas pessoas é quase uma falha de caráter! Sua esposa deve saber do que estou falando e ter recebido muitos olhares assustados.

    Além disso, há algum tempo conheci a filosofia budista, comecei a praticar meditação e finalmente me assumi como agnóstica. Dentro de uma família católica com uma avó praticante fervorosa, isso gerou algum stress, mas superado pelo respeito. Mas a avó não sabe...rs

    Também estou no caminho do vegetarianismo, ainda como peixe de vez em quando, mas chego lá.

    Por fim, encontro seu blog, seus pensamentos e de seus leitores nos comentários, as dicas de blogueiros que pensam parecido e de repente me sinto um pouco menos ET nesse mundo... :)

    Obrigada!

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  6. Eu não li todo o seu último post, fui descendo para os mais antigos. Mas dá pra sentir pelos títulos e por algumas olhadelas de relance em algumas frases que temos muito em comum.

    Bem, não há muito a dizer.

    Apenas que parece que o mundo não vai acabar dia 21 de dezembro de 2012, as pessoas continuarão achando que ter filho é fashion e eu continuarei achando difícil achar um sentido para me levantar da cama.

    Valeu

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  7. Ah, o preonceito. Tão inerente ao ser humano desde que começamos a "pensar". Sim, com aspas, porque só uma pequena fração dessa raça realmente pensa. O resto é apenas escravo de seus sentidos, alguns tão escravos que dizem sentir até um 6º sentido (eu chamo esse último de esquizofrenia), mas não vou focar em crenças, o problema em pauta é outro.

    Acho interessante como tudo o que fazemos tem alguma conexão com nossa memória genética. Assim como cachorros que giram no tapete antes de dormir (achando que ainda devem tirar pedregulhos da areia), a maneira como tratamos aquele que é diferente tem explicação. No início de nossa fabulosa jornada evolutiva, era certo excluir o que não agia conforme o resto do grupo, talvez porque o esquisitão fosse visto como um perigo fazendo o que não devia ou simplesmente não sabia caçar, quem sabe até por problemas em se relacionar... Se hoje em dia é difícil ser diferente, imagina quando ainda nem nos comunicávamos pela fala?

    Um dia ainda será possível ser mulher, negra, lésbica, ateia e instrospectiva sem ninguém lhe olhar torto. Mas ainda existe gente que tem preconceito com mulher... Ainda há muito o que percorrer para que qualquer pessoa seja aceita pelo o que realmente é.

    Mas focando nos pobres seres pensantes e introvertidos... É ótimo ser diferente, uma pena que não estamos na era certa. Ser um introvertido no século 21 é como nascer com o dom da escrita em meados do período paleolítico. Você pode até saber que tem algo grandioso à fazer em sua triste existência, mas definhará sem saber o quê.

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