quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

AVATAR, RED HOT CHILY PEPPERS, CARROS DE QUATRO PORTAS, SMARTPHONES E A DEPRESSÃO


Para um gênio nada é mais honroso que o desprezo de um mundo idiota.

Hunaldo




Quando começaram a anunciar a estréia de Avatar, imediatamente procurei ler a respeito e comentei com ela que provavelmente seria um bom filme para se ver no cinema. Não por seu enredo, mas pelo espetáculo visual. Ela nem me deixou acabar o comentário e já foi retrucando que estamos velhos demais para “ir ver filminhos de monstrinhos azuis”.

Mas então, duas semanas após a estréia do filme, chega ela dizendo que tinha um filme que ela queria assistir. Adivinhe qual?...

Disse que uma de suas colegas de trabalho foi ver e achou o máximo...

Pois é: quando eu falo, bullshit. Quando alguém do trabalho fala, nossa, o que estamos esperando!...

E isso vem de longe.

Quando o Red Hot Chilli Peppers começou a ser mais noticiado por aqui – ou ao menos quando eu percebi sua existência – comentei que era uma banda legal. Ela achou barulhenta e infantil para, tempo depois, voltar dizendo que ouvira dizer lá no trabalho eram muito bons. E jurava de pés juntos que eu nunca havia falado sobre eles.

Quando os primeiros carros com quatro portas começaram a tomar as ruas da cidade eu sugeri que quando fossemos trocar o nosso o fizéssemos por um desses. Imagina, disse ela, carro quatro portas é coisa de taxista. Nem preciso dizer que, quando suas colegas adquiriram automóveis com quatro entradas ela também quis um.

Ela teimou, teimou, teimou e resistiu duramente aos meus comentários sobre as facilidades dos smartphones com seus teclados e aplicativos. Celular tinha de ser apenas telefone, pra que mais? Assim que uma colega apareceu com um ela ficou maravilhada e tivemos de ir trocar seu aparelho naquele mesmo fim de semana.

Não tenho crédito com ela. Seu desprezo e rejeição por meus pensamentos, idéias e opiniões são absolutos, sejam sobre coisas corriqueiras do dia-a-dia, sejam sobre elaboradas questões existenciais.

Quem dera me faltasse amor próprio o suficiente para não me importar com o desprezo dos outros, como dizia Luc de Clapiers.

Consegue imaginar o que é tentar escapar da depressão com alguém fazendo isso com você? Parece pouco para que tem a auto estima em dia, mas lembre: para um deprimido isso é o mesmo que ser esfolado vivo.

Certa vez, numa das sessões de terapia comentei que talvez precisasse ir morar sozinho por uns tempos ou ir ficar só, num lugar qualquer para que, sem influências exteriores, pudesse me reconstruir.

A terapeuta pediu que explicasse melhor e eu me saí com essa: imagine um atleta em treinamento para uma competição, digamos, um corredor de maratona. Não que ele precise de isolamento para se dedicar ao treinamento, mas dentro de seus tênis não pode haver uma daquelas pedrinhas que teimam em entrar neles de vez em quando.

Um atleta que tentasse treinar com essa pedrinha dentro do tênis certamente não faria bons treinos e muito menos desenvolveria performance para competir e vencer.

Em verdade o que eu queria dizer era que precisava de um pouco de distância de minha realidade contaminada, viciada, e iniciar uma nova ou, melhor dizendo, ficar um tempo em zona neutra para que meu “eu” pudesse se refazer dos estragos da depressão, como alguém com o sistema imunológico fragilizado que precisa de quarto isolado até que seu organismo seja novamente capaz de combater os ataques de intrusos.

Todas essas voltas tinham o intuito de dizer que precisava tirar umas férias de minha esposa. Como escrevi ali nos Drops Amargos sobre ela ter começado a jogar água e sabão nos degraus de minha auto estima, durante a pior fase de minha depressão ela não foi uma das melhores pessoas para se ter ao lado, muito pelo contrário.

Com a auto estima totalmente destruída, em diversos episódios ela disse coisas que eu jamais falaria a alguém, muito menos alguém no estado em que me encontrava. Ninguém jamais diria a um paraplégico ou tuberculoso que ele é um inútil por não correr uma maratona, ou a um obeso mórbido que ele é um vagabundo relaxado por estar daquele jeito, não criticaria um leproso por sua aparência ou diria “bem feito” a um aidético...

Mas a depressão, como já escrevi por diversas vezes, não é “aparente”. As pessoas não percebem “uma doença” em você, vêem apenas a superfície e creditam seu comportamento a falhas em seu caráter, preguiça, indolência, incompetência, chatice.

O pior da crise passou e, no relacionamento, ficou mal disfarçada mágoa, que para muitos é a raiva dos fracos.

Você, deprimido, tem também alguém em seu “encalço”? Como se saiu dessa?

3 comentários:

  1. Hunf... Meu nome é Pablo. Passo por isso quase o tempo todo, às vezes dá vontade de me matar, é estranho.
    É como se nada tivesse sentido, como se nada desse resultado, eu choro demais mesmo sem motivo. E é realmente desse jeito como você falou, as pessoas só vêem preguiça, indolência, incompetência e chatice. Hoje fui num restaurante com meus pais, peguei a taça com refrigerante, e do nada comecei a chorar, era como se a morte viesse naquele momento e acabasse tudo. Daí disfarcei o choro fingindo que era algum problema da visão.

    Eu realmente queria um sentido pra viver, mas nunca encontro.

    E essa frase "Para um gênio nada é mais honroso que o desprezo de um mundo idiota." É realmente verdade, às vezes fico até procurando alguém pra me insultar, me dá certo prazer e ao mesmo tempo, motivo de tristeza. Eu não sai dessa ainda, e ainda tô longe, creio eu.

    Mas... É o jeito =/

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  2. Cai aqui de paraquedas, nossa como encontro semelhanca nas coisas que acontecem com voce. Voce consegue expor de uma maneira clara o que acontece conosco (pessoas deprimidas), coisa que eu penso mas nao consigo descrever. Parabens pela sua capacidade, continue escrevendo que eu vou continuar acompanhando. PS. desculpe a falta de acentuacao, mas meu note ta com problema no teclado.

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  3. um abraço, de compreensão, de portugal...

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