segunda-feira, 23 de novembro de 2009

I wish I could cry,
As easy as the sky.
The tears don’t come as easily now.
They’re stuck inside my soul…

Angel, citada no livro O Demônio do Meio Dia - Uma Anatomia da Depressão, de Andrew Solomon

A não ser pelo fato de continuar respirando e andando por aí, eu já morri.

Morri para a vida que um dia eu achei que poderia viver, para os sonhos que gostava de sonhar, para as coisas que podia ter. Se depressão tem relação com a perda, essa nem sempre é um luto por uma morte na família nem uma perda física, real, mas uma perda ainda pior: a dos sonhos, dos objetivos, da perspectiva. A perda de si mesmo.

Passo pela avenida Sumaré num domingo pela manhã e vejo pessoas correndo, se exercitando, fazendo o velho jogging. E eu já morri pois não posso mais fazer isso. Minhas costas não permitem mais que dê três ou quatro passos em ritmo acelerado. A dor é paralisante. E, a bem da verdade, correr pra quê?

Vejo um grupo de adultos se divertindo com a brincadeira de Amigo Secreto. Todo ano é a mesma coisa: o pessoal monta um círculo de cadeiras e um por um vai ao centro fazer uma pseudo charada para que os demais descubram quem é o oculto que receberá seu presente. Enquanto todos riem, penso: é como rir da mesma piada vinte vezes, que bando de idiotas... Morri pois não consigo me divertir com quase mais nada. Ou melhor, não lembro de nada que me divirta de verdade.

Carros passam com homens de gravata ou mulheres bem arrumadas. Vão para o trabalho, lugar onde as pressões e possíveis humilhações são compensadas, bem ou mal, com o salário no final do mês. Morri pois não há mais como voltar à vida corporativa que levava. Eu não suportaria o enjaulamento num escritório sob ordens de algum chefe quase sempre um completo imbecil vaquinha de presépio e nem eles suportariam minha honestidade. Afinal, quem não sorri pelos corredores é mal visto.

Casais se abraçam num banco da praça. Em depressão nós nos trancamos dentro de nós mesmos, nos tornamos obcecados por nós mesmos e, após anos lutando contra sentimentos difusos de agonia e angústia, essa areia movediça engoliu minha parceira também. . Morri pois não consigo mais namorar, incapaz de sentir afeto. E ela, como não recebe, também já não dá mais.

Às vezes tentam me ajudar. Amigos e familiares, desconhecendo as armadilhas e caminhos tortuosos por onde se perdem as mentes deprimidas, parecem ter decorado as “cem frases que não se deve dizer a um deprimido” e as continuam repetindo, repetindo... Evito comentar qualquer coisa sobre meu verdadeiro estado de espírito porque, agnóstico, vão dizer que sofro assim porque não tenho Jesus no coração. Morri porque estou só, absolutamente só num mundo com mais de seis bilhões de pessoas.

Em filmes, o herói ou heroína vão ao inferno, passam o pior dos pesadelos, mas no final tudo acaba bem. Por mais que me esforce, não consigo ver final feliz em meu filme. Morri porque não vejo perspectiva, não vejo luz no fim do túnel, não vejo como não acabar muito, mas muito mal nessa estória.

O que é a vida se não se tem perspectiva positiva à frente?

2 comentários:

  1. Muitas vezes acham que sou preguiçosa e essas coisas, que sou assim por simples má vontade da minha parte, mas é que realmente as pessoas não entendem, e quando indiretamente dizem isso, finjo de boba e sorrio dizendo que "vai passar". Justamente pra não ter que ouvir que é falta de Jesus, de Deus, por eu ser atéia.

    Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão, ter filho na melhor escola, férias na Europa, conta bancária gorda. Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão.
    Tudo isso para tentar entrar na tribo, aqui no nosso Belsen tropical.

    Quando penso assim não vejo perpectiva positiva alguma para mim também. Não me sinto parte disso.


    Mas vou respirar até o fim e deixar o trem da morte passar.


    Lu

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